A MENINA QUE NÃO QUERIA CRESCER

José Carlos Pascoal – Diácono da Igreja Católica

           Aguardava no portão do grande salão da comunidade periférica da cidade, no intervalo de minha palestra sobre “Fraternidade e Políticas Públicas” (2019), quando se aproximaram duas meninas. A que aparentava ser a mais jovem (creio que 10 anos de idade) se aproximou e perguntou: – “quantos anos você tem”? Imediatamente respondi: – 68 anos. Olhou-me fixamente e disse: – “Eu não quero crescer”!

           Surpreso, resolvi brincar: – Você tem a síndrome de Peter Pan. Ela, candidamente respondeu: Sei que ele não queria crescer. Eu também. Mas o meu motivo é de preocupação: ter que procurar trabalho, buscar espaços na escola, tanta coisa que terei de comprar, medo de sair às ruas… é isso!

           Imediatamente pensei que poderia ter influenciado essa garotinha com minha fala sobre Políticas Públicas. Mas, também pensei naquilo que ela poderia ter visto no noticiário, ouvido na Escola, numa possível rigidez na educação no lar. Pena que não deu para esticar mais a conversa com ela, pois já havia o chamado para a segunda parte da nossa reflexão.

           Vendo aquele grande número de crianças da Catequese, motivadas pelo seu catequista à ouvir sobre Políticas Públicas e, desde o início preocupado com as diferenças etárias da assembleia e como atingir a todos objetivamente, passei a me preocupar em especial com possíveis motivos para o medo de crescer daquela garotinha.

           Refletindo a Campanha da Fraternidade de 2019 e seu relevante tema “Fraternidade e Políticas Públicas”, passei a interagir com a assembleia, em especial com as crianças, naquilo que mais prejudica o desenvolvimento físico e intelectual delas. Foi gratificante ouvir delas as preocupações que levam para seus lares, escolas, ambiente da Igreja, lazer, porque trazem para pais, professores, catequistas uma visão que às vezes, como adultos, não queremos enxergar, até por omissão, porque as forçamos a ver e ter as mesmas perspectivas que vemos e temos.

Essa mesma garotinha puxou o coro contra o “bulling”, de que são vítimas. A discriminação por causa da cor da pele, do tipo físico, se obesa ou magra, por causa da religião. Disseram que não são ouvidas quando reclamam, porque os adultos, incluindo pais, professores e funcionários de escolas, membros da Igreja dizem que “isso é coisa de criança, logo passa”. Nós, os adultos, que já fomos crianças e passamos por situações desagradáveis, ainda não sabemos defender nossas crianças das mazelas da sociedade.

           É triste ver a situação da saúde pública, que não consegue cumprir com as necessidades do povo; a situação da educação, cuja preocupação atual é se devemos ou não ter “escolas sem partido”, se devemos obrigatoriamente cantar o hino pátrio e filmados, nos obrigar a uma ideologia de direita, militarizada, como se vivêssemos uma desordem moral em todos os ambientes. O medo dos pais na questão da segurança dos filhos, da violência que nos ronda a cada momento, inclusive em nossos lares.

           Que esta Campanha da Fraternidade nos tenha levado a refletir seriamente sobre a nossa participação na sociedade como cidadãos cristãos e como cristãos cidadãos. Que façamos a nossa parte, agindo e apresentando propostas em vez de só ficar reclamando. Que não tenhamos medo de crescer como sociedade do bem comum.